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Carolina e Betina eram vizinhas desde pequenas e, como costumam dizer, “cresceram juntas”. Embora compartilhassem as alegrias e inquietudes da infância, havia algo em Carolina que sempre deixou Betina fascinada, uma qualidade quase indefinível — talvez seus olhos, que, em contraste com o resto de seu semblante calmo, pareciam conter um brilho misterioso, quase marinho, como as ondas de uma tempestade que se esconde além do horizonte.
Betina, de natureza introspectiva e fiel aos princípios com os quais fora criada, nutria um carinho profundo e único por Carolina, que ia muito além da amizade comum. No entanto, sentia-se incapaz de compreender completamente a intensidade de suas próprias emoções. Com o tempo, seu afeto por Carolina cresceu, misturado a um desejo por compreensão e uma sensação que sempre preferiu não nomear, como uma música sutil que ninguém mais parecia ouvir.
Na adolescência, as duas jovens desenvolveram uma amizade ainda mais intensa. Compartilhavam segredos e sonhos nas tardes tranquilas do Rio de Janeiro, sob a sombra das árvores, trocando sorrisos e olhares que nem sempre entendiam. Mas para Betina, estar ao lado de Carolina era suficiente; aquelas tardes eram como vislumbres de algo extraordinário que só ela e Carolina podiam viver. A amizade delas era marcada por uma cumplicidade íntima, que as pessoas à sua volta frequentemente notavam, mas nunca questionavam.
No entanto, com o passar dos anos, Betina começou a ouvir seu coração mais alto do que as vozes da razão e da família. De certa forma, sentia um temor crescente, um receio inconfessável de que Carolina não sentisse o mesmo, de que aquelas tardes entre confidências e risos não passassem de amizade na mente de sua amiga.
Foi então que, numa tarde em que o céu parecia carregado de tempestades distantes, Carolina lhe segurou a mão por mais tempo do que o habitual. Os olhos dela a fixavam, intensos e misteriosos como o mar revolto, e Betina, surpresa, deixou o coração acelerar. Sem que uma palavra fosse dita, as duas sentiram que compartilhavam algo além das risadas e dos sonhos. O momento era tão denso e frágil quanto o vidro, e Betina sentiu que qualquer palavra poderia fazê-lo estilhaçar.
Naquela noite, Betina não conseguiu dormir; as emoções que sentia eram tão fortes que preenchiam todos os espaços da noite, todas as sombras de seu quarto. Sua mente e coração estavam repletos de perguntas: o que significava aquele olhar de Carolina? E, sobretudo, o que significava aquilo para ela?
Com o tempo, Betina tornou-se mais consciente do sentimento que nutria por Carolina. Aquela sensação de posse e ciúme, tão incomum para sua natureza reservada, cresceu silenciosamente dentro dela. Sempre que via Carolina conversando alegremente com outras amigas, ou quando ouvia os rumores de que alguém do bairro começava a cortejá-la, sentia uma dor silenciosa, como um espinho que se alojava fundo, ferindo-a em silêncio.
Mas Carolina, com seu sorriso cheio de segredos e sua graça peculiar, jamais deixou Betina sozinha por muito tempo. Nas noites em que ficavam juntas na varanda da casa de Carolina, as duas se sentavam em silêncio, os ombros próximos o suficiente para se tocarem, e compartilhavam longos olhares, ainda que nenhuma palavra revelasse o que se passava dentro delas.
Com o tempo, os caminhos de Betina e Carolina foram se distanciando, como as marés que avançam e recuam sem nunca parar. Betina, marcada pelo misto de amor e dúvida, aprendeu a guardar seu afeto como um segredo, como uma história que só ela conhecia. No entanto, sempre que pensava naqueles olhos de ressaca, Betina sabia que algo dela mesma pertencia eternamente àquela memória de Carolina. Ela jamais soube ao certo o que se passava no coração de sua amiga, mas sabia que aquele amor silencioso e inconfesso ficaria com ela para sempre, como uma onda que jamais se dissipa, mesmo no mais tranquilo dos mares.
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